A cidade de Guarujá, no último dia 06/05/2014, foi palco de mais um dos vários casos de linchamento que vem ocorrendo sistematicamente em todo o Brasil. Fabiane de Jesus, 33 anos, foi linchada com requintes de crueldade por uma turba enfurecida que violou, no mínimo, dez artigos da Declaração Universal dos Direitos Humanos, inclusive e, sobretudo, o Artigo 3º: “Todo o indivíduo tem direito à vida, à liberdade e à segurança pessoal”.
Não há ineditismo nesse caso quanto à perda de direitos básicos. Seus algozes, assim como a vítima, foram, e continuam sendo, privados de todos os direitos que deveriam ser pertinentes a qualquer cidadão brasileiro: direito à saúde, educação, moradia, segurança, direito à qualidade de vida. A descrença em um Estado omisso, para o qual essa parcela da população parece invisível, é reflexo das mazelas causadas pelo caos social facilmente perceptível nas comunidades carentes.
Mas apesar do contexto propício à revoltas e indignações, a desassistência do Estado não seria o vetor, pelo menos não unicamente, responsável pela feitura de um crime de tamanha barbárie. Até porque se por um lado houve algum avanço significativo na área social nos últimos anos, no país, por outro lado, há tempos a população é vilipendiada em seus direitos, nas mais diversas situações e causas, e assiste com uma passividade cristã a injustiça dos homens, trazendo consigo a indignação latente porque a ela, à população, cabe entender que IRA é um sentimento indigesto e que nós, enquanto povo brasileiro, somos, por princípios, um povo ordeiro, cordial e receptivo.
Se a violência extremada que permeia os linchamentos, como no caso de Fabiane, nos surpreende, é porque cometemos o erro crasso de não nos assumirmos como uma sociedade violenta. A História do Brasil, apesar da negação, da utopia dos que teimam em nos apresentar como um povo pacífico, é pontuada por acontecimentos violentos. Revoltas, golpes, motins e levantes são uma constante ao longo dos séculos. A violência está também, mais que presente, enraizada no nosso dia-a-dia de maneira banal. O ódio, inerente ao nosso comportamento, nos leva a matar, e a mídia, senão produtora, age como incentivadora de um mercado que lhe é promissor, reverberando e potencializando os fatos mais escabrosos. Quanto mais sangue, mais vendas. O amor não vende jornais, não causa impacto. O ódio sim. O ódio é capaz de agrupar as mais diferentes vertentes ideológicas, classes sociais, colorações partidárias, em prol de um único objetivo: a vingança.
Se a gratidão é um peso por exigir retribuição, a vingança é um prazer. Não basta ver a “condenação dos mensaleiros”, é preciso ter o prazer de assistir a execração pública dos condenados. Não basta a vitória do meu time, é preciso ter o prazer de assistir a derrota humilhante do adversário. Não basta apenas julgar o comportamento do próximo, é preciso condenar e efetuar com as próprias mãos a pena deferida. Não basta assassinar, é preciso ter o prazer de assistir a agonia, o sofrimento de quem está morrendo, tirar fotos, filmar, postar em redes sociais, como no caso de Fabiane e de tantos outros linchamentos.
Nós matamos por motivo torpe, por Deus, contra Deus, no trânsito, nas ruas e dentro de casa. Matamos o que nos causa estranheza, o diferente, o que não conseguimos subestimar ou o que nos subestima. Matamos. E assim seguimos brincando de Deus, paradoxalmente escolhendo quem podemos eliminar por ter retirado a nossa imaculada PAZ.
A ira, a violência, o ódio, fazem parte do comportamento humano, e entender e aceitar essa condição é fundamental para o aprimoramento e preservação do estado de direito. Não há como propormos medidas efetivas para garantir os direitos básicos de qualquer cidadão brasileiro se não analisarmos os seus sentimentos em potencial, a sua natureza. Não há remédio para doença sem diagnóstico.
"Para que nunca se esqueça, para que nunca se repita!"
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