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Mostrando postagens de 2019

Cê nao guenta, moça!

Muita lacração e pouca abertura. A vida é ali na esquina, moça. Na quebrada. Cê não guenta, moça. Ali quem lacra é o marginal e o pastor neopentecostal. A palavra que chega é a da Bíblia, e a segurança quem dá é o Irmão. Vai, lá, moça, vai lá empoderar ela. Leva seu doutorado, seu feminismo perfumado, seu discurso pink deturpado. Vai, vai de batom vermelho nessa tua cara branca pra mostrar que não tem medo de ser chamada de puta. Puta? Cê não guenta, moça. Cê não guenta meia hora de esquina. A navalha é na carne. O tiro vem do Estado, da sociedade, da vida. Tolida, fodida. Lacra, moça, fala bonito e não representa aquela que sempre se ausenta. Fala pras iguais, conforta as que têm conforto, ameniza a culpa de quem escolhe a mão que não vai soltar. Lacra linda na selfie,  no universo feminino. Faz o jogo da bolha, do sistema, do patriarcado. Lacra de rosa e esquece o vermelho sangue das mulheres invisibilizadas. Lacra absoluta onde mal nenhum te alcance. Lacra. Não abre. Porque aqui f

ILHA

"Não me encha de flores de filhos nem de fados Não me ofereça prendas nem bodas E não me envolva com esses mil abraços de me impor limites Eu não sou seu continente E não me venha com esses aviões em esquadra sobrevoar meu território Não despeje suas bombas sobre minhas vilas e Nem tente invadir minhas normandias Eu não sou seu continente Não invente capitanias e não desenhe mapas com esse vinco no lençol de linho pra demarcar minhas superfícies Não proponha tratados com letras do tamanho de formigas nem pactos nem acordo de paz nenhuma Eu não sou seu continente Não ultrapasse minhas fronteiras não exploda minhas pontes não tente arapucas artefatos bélicos minas terrestres Não subestime minhas trincheiras Eu não sou seu continente Não quero sua catequese nem sua crítica nem sua nota nem sua poda Nem seu afago nem esse beijo de dizer amores que me deixa muda Não planeje embargos nem emboscadas Não queira ocupar meus peitos nem meus pátios Eu não sou seu contine

Um tangaço para o meu pai!

Quando eu era menor, pequena nunca fui, lembro do meu pai debruçado na vitrola ouvindo ópera, quando não, tango. Mas não era só ouvindo. Ele vivia todas aquelas árias. Uma sofrência só. Isso quando não batucava saleroso os refroes dos tangaços preferidos. Às vezes pegava o violão e me chamava pra ouvir " qué bonitos ojos tienes debajo de esas dos cejas" e que eu entendia "debajo de sete quedas" e não via sentido algum. Cachoeira? Catataratas? Lembro também da gente discutindo os editais do Jornal do Brasil madrugada adentro, filosofando sobre a vida, enganando a morte. Meu pai não era muito de festa. Não dessas tradicionais. A festa era ele mesmo. Onde chegava era um acontecimento. Não nasceu mesmo pra ser plateia. Não que isso fosse sempre um conforto, mas era ele. Meu pai. Com todos os bônus e ônus. Herói possível. Que errava muito, mas acertava também. Dotado de um grau de humanidade que anda nos faltando hoje nesse mundo cada vez mais hostil. Meu Dom Quixot

Iceberg

 Não é o momento. Muito se tem negado. Não vivido. Não questionado. Amordaçado. Amar. Dura. Me sinto fria, centrada em algo que ainda não sei bem o nome. Não dá tempo. O tempo me consome. Some. Entre brios. Estribilhos de uma música ruim que insiste. O silêncio sobe um tom. O acorde é diferente. Morto. Não reflexivo. Evasivo. Há nuvens num céu de brigadeiros, majores, coronéis,  homens infiéis. Vão-se os dedos, os anéis,  e eu fico  cá, sozinha, entre devaneios escorrendo pelo peito nu. Gelado é o lado de dentro pela indiferença de um amor que demora a queimar. Às vezes eu adjetivo demais porque é de menos a ação. Não era pra ser assim, mas é. O fim.

Mas era.

Que a gente comece a acreditar que depressão é uma doença. Séria. Que não é só uma preguicinha de viver, que não é só "levantar a cabeça e ir à luta", que não é corpo mole, que não é uma gripe. Que não é falta de fé ou de religião alguma. Que não é nenhuma possessão, quebranto, ou seja lá o que você acredita. Porque não é sobre você. É sobre o outro. É entender que estar doente não é escolha do outro. Que, inclusive, devido a doença, o outro está impossibilitado de fazer escolhas. E sofre. Mesmo se um dia resolver sair. Mesmo se der uma gargalhada. Mesmo se parecer bem. Porque depressão não é sobre parecer, não é estigma, não é achismo. Depressão é doença. Precisa ser diagnosticada, tratada, entendida. E pode durar anos, a vida toda, quem sabe, sob controle, mas sempre à espreita. Ainda que não na cara, pra que a gente acredite, seja complacente e aja mais antes de se chocar quando vir pessoas atirando na própria cabeça ou se jogando do nono andar. Porque nem parecia. Mas e

Morrer de Véspera.

      O novo chega cada vez mais depressa. Gatuno, na era pós, quer nos impor sistematicamente a juventude eterna.  Ainda que velho, não pode ser velho, tem que não parecer velho. A longevidade aumentou e a toda hora  velhinhos saltitantes, serelepes, sarados, de bem com a vida, pululam nas telas, nos imaginários. Não se tolera mais a artrite, a enxaqueca, a rabugice e o bolo de fubá. Vivacidade é a palavra do dia, ainda que a lucidez ande com a visão torta. Acompanhada do velho Buk e toda sua preguiça com a humanidade, levanto um brinde aos que seguram esse tranco e não sucumbem à liquidez. Me deixem viver a era onde serei rainha mor do meu não sou obrigada a nada. Onde nenhuma amarra a mais, além das minhas limitações físicas, me prenderá. Quero continuar me enveredando pelos poetas malditos, garimpando Ninas Simone por aí, curtindo fotos com ângulos sensíveis, admirando belezas pintadas há séculos, ou por algum atual desconhecido insistente. Quero continuar falando coisas sem sen