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Mostrando postagens de 2022

Azia

Hoje bateu saudade do tempo em que ouvia as cigarras e não as cisternas. Ando intolerante com barulhos. Almejo a calmaria, o cerne, e as interferências insistem. Fico à margem. Recuo. Torno-me um avatar disposta a agir no automático. Cansei de querer ver beleza na vida e isso não é uma lamentação, mas sim, uma constatação. Lembro-me do tempo em que ia te encontrar. Azia. Era assim que eu ia. Será que vamos voltar a amar nesse país?

Claudia Jimenez

     Mais um sessão de quimioterapia e ela queria passar pelo corredor onde um sujeito tinha a perna engessada esticada atravancando a passagem. Esperou que ele se tocasse. Tentou passar ao largo. Não conseguiu. Voltou. Pediu licença e o sujeito carrancudo e mal humorado disse: "você não está vendo que eu estou com a perna engessada?" o que ela rebateu de pronto levantando a peruca: "e você não está vendo que eu estou com câncer?"       Essa história Claudia Gimenez, que nos deixa hoje, contou certa feita numa entrevista perdida aí em algum lugar do passado. Não sei porque vira e mexe ela me vem à tona. Talvez porque aprecie pessoas inteligentes e espirituosas mesmo diante das adversidades.  É isso. "De repente do riso fez-se o pranto."

Ainda há tempo para a delicadeza.

      Daí que tô na lojinha de doces e já garro conversa com um senhor que, creio eu, deva ter lá pela casa dos seus setenta e lá vai uns. Comento alguma bobagem sobre o docinho que ele tem nas mãos e ele diz que é "para a namorada dele" emendando que a conhece há cinquenta e seis anos. Penso eu automaticamente que ele chama a esposa de namorada mesmo depois de tantos anos, e ele se apressa em explicar. Foram namorados na adolescência, depois cada um seguiu a sua vida. Ela casou. Ele casou. Se separaram e agora se reencontraram e estão namorando. Né? Por que não dar uma segunda chance para essa história? Ainda há tempo para a delicadeza. Bom, mas diante do brilho dos meus olhinhos acessos pela comovente história do senhorzinho, ele me diz que o namoro é por pouco tempo. Ela está de partida para o Paraná. Quer morar mais perto dos filhos e netos. Como nada pode estragar o MEU momento mágico, digo que ele vai junto, e ele levanta a manga da camisa e mostra uma tatuagem. Filhos

Canta Caê. Viva!

      Ontem, o domingo começou com mais uma barbárie. Pipocavam nos sites de notícias a morte cerebral do lutador de jiu jitsu, Leandro Lo. Na noite anterior, num desentendimento banal em um show, levou um tiro na cabeça à queima roupa. Era a vida chamando para a morte. O cheiro de enxofre que nos ronda e que, infelizmente, nos têm sido tão familiar. O pensamento já se desloca para os filhos. Criados, essencialmente, com amor, num ambiente de paz e harmonia. Medo de que uma besta fera dessas, um dia, atravesse o caminho deles assim como atravessou a vida de Leonardo.       A noite chegou ainda com amargura quando fui assistir ao show de 80 anos repletos de vida de Caetano Veloso. Já de final, Caetano canta uma música embalado pelo prato-e-faca tocado por seu filho, Moreno Veloso. Caetano samba miudinho com os filhos, passinhos, a calmaria. Um momento de singeleza ímpar onde ouso dizer que existe um Brasil que jamais alcançaria a plenitude desse momento. Um Brasil beligerante, calcado e

Tio Wilson

  Todo verão ele chegava com o sol. No frio das montanhas, talvez ele fosse  o próprio sol na nossa casa. Chegava de férias para passar religiosamente uma semana. Nem mais nem menos. Tinha "compromissos". Os bailes de Carnaval esperavam por ele no Rio. Todo metódico, era sempre uma cerveja antes do almoço, sim, assim no singular mesmo, uma. Depois, lia os jornais e debatia as notícias comigo. "Almôndegaaa, é primo, almôndega!" dizia pra mim quando eu o apresentava pra alguma amiga. Lembro de uma vez que aos 15 anos tive que fazer uma cirurgia, e foi justamente na época que ele estava em casa. Nuos. Melhor enfermeiro não teria. Comprava as minhas uvas preferidas, conversávamos a tarde toda, me contava as peripécias da participação dele no  projeto Marechal Rondon, e me fazia rir. Aliás,  um humor refinadíssimo.  Um cara ímpar, inteligente, e também muito responsável por quem eu sou hoje. Mas a vida, essa danadinha, às vezes nos afasta fisicamente das pessoas que gost

Sobre Amores e Vacinas.

 Quando eu ainda morava no Rio, mas não mais com a minha mãe, todo finds que ia pra casa ela aparecia com a crônica da Martha Medeiros, que saia no revista do jornal O Globo, pra que eu lesse. Sabia que eu gostava da Martha. Depois, quando vim pra São Paulo, toda vez que chegava na casa dela, vinha com uma pastinha com as crônicas do ano todo da Martha. Minha mãe é assim. Nos criou com essas sutilezas que foram e são fundamentais para mim. Dizem muito de quem eu sou hoje.  Quando começou a pandemia, ela era uma de minhas aflições dentre tantas outras. Diabética, 79 anos, pressão dando uns sustos vez em quando. Por tabela, meu irmão, diabético, hipertenso, fumante. Aqui de longe, coração na mão. Semana passada, mesmo com todos os cuidados,  consciência que têm sobre a pandemia, e depois de 3 doses da vacina, testaram positivo. Gelei. Meu irmão teve uns dias de febre e tosse. Minha mãe, um dia de febre baixa e acessos de tosse. Já estão lá pelo décimo dia, sem febre, sem sintomas, e cont