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Mostrando postagens de 2020

CIDADÃO DE BEN$

 Hoje é domingo,  dia do cidadão de bens ir à igreja. O cidadão de bens sonega impostos e é a favor da privatização. O cidadão de bens é  meritocrata, acha que conseguiu tudo somente com a ajuda de Deus, talvez porque saiba que não será materialmente contestado. Aliás, o cidadão de bens detesta ser contestado. Tem uma sapiência nata, superior aos anos de estudo dos colegas, ops, cientistas. Tem um ranço escravocrata, mas não é racista. Tem até amigo negro, é assim mesmo, no singular. Gay já é mais complicado. Respeita desde que não mexam com ele, e ignora que a filha é lésbica. Saber, sabe. Se tem uma coisa que o cidadão de bens tem é auto estima. Ou seria complexo de superioridade? O importante é que amam. Amam a esposa e a amante e acham que feminismo é o contrário de machismo. Isso quando se dão ao trabalho de tocar nesses assuntos, tão menores, tão identitários. Afinal, cidadãos de bens têm um país a salvar. Dizem que não  gostam de política, mas possuem uma neutralidade que geralm

Fred, o gato que não era qualquer gato.

 Indiferença, insensibilidade, frieza, diria o senso comum, mas eu achava que era personalidade mesmo. Sempre à espreita, mas nunca ausente. Fred já nasceu criado. Pouco afeito à melações e rabugentinho, chegou com um rabinho cotó que nunca soubemos se era algo congênito ou se o pobre tinha passado maus percalços antes de chegar até nós, sua familia. Éramos sete. O Fred era o gato do vô Arnaldo. Se tinha uma missão na vida, acho que era desemburrar o velho, que ria feito criança com as traquinagens que aprontava com o gato. Depois, feitas as pazes, dormiam os dois largados no sofá cumprindo rigorasamente a sesta abençoada de todos os dias. Há uns oito anos o vô Arnaldo se foi e Fred sentiu o baque. Perdeu o seu companheiro. Aos poucos foi se achegando ao resto da familia, nós. Fred fez 18 anos esse ano, Pedro, meu filho mais velho, 17. Fred cresceu e envelheceu com os meninos. Um senhorzinho procurando aconchego tinha se tornado ultimamente depois que foram canceladas suas voltinhas pe

Planetinha Azul

Essa pandemia é um sinal mais que evidente que esse Planetinha Azul está saturado. O ar está saturado, a água está saturada, a terra, nós estamos saturados. Gente demais, fazendo coisa de menos para evitar o pior.  Pior, se omitindo,  mentindo, negando. Tô quase começando a achar que a Terra é plana mesmo, de tanta porrada que já levou. E leva. Achatou.  A curva não, essa continua desenfreada. Abalroando em cheio países carentes até de saneamento básico. Água? É ouro. Tem quem paga. Cada vez menos um direito universal. Cada vez menos direitos. À moradia, à saúde, à vida. Roleta russa. Sobrevive mais quem tem mais condições. Quem tem mais condições se acha imune. Purifica seu aquário com Lysoform, assiste Netflix, e faz uma receita nova para ajudar na imunidade. Se, pá, flexibiliza, pega sua prancha de longboard e vai aplaudir o por do sol, de tardinha, na praia de selo internacional.  Luta pelo fim dos canudinhos, pela vida das tartarugas, e denuncia o morador de rua que enfeia seu hab

Soninha me trouxe palavrinhas.

Temporada de Verão. Boa para quem e para quê?

Toda temporada me pego pensando cá com as minhas castanholas. Temporada de verão é boa para quem e para que, cara palida? Talvez para o turista, para os comerciantes, para os donos de hoteis, donos de restaurantes, donos de, donos de, e donos de, mas para a cidade, para a população do Guarujá, é boa para quê?  A cidade superlota, o trânsito vira um caos, filas intermináveis, ficamos mais vulneráveis e o município gasta mais dinheiro para garantir a segurança. Dos turistas. A água vira artigo de  luxo. Só tem quem mora no centro ou pode pagar até  R$ 2.500 por um caminhão pipa. Na periferia a vida segue igual, a torneira seca, as bocas bombando com os playba comprando bala, e os ônibus partindo lotados de copeiras,  diaristas, zeladores, babás, camareiras e seguranças de condomínio. Graças a Deus tem emprego! O turismo gera emprego. Precarizado. É a parte que cabe à senzala nesse missancene de ex balneário de luxo. A Pérola do Atlântico, cada vez mais ostra, esconde suas mazelas.