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Ravena Porcelana Azul

 Eu tenho pensando muito no meu pai ultimamente. Nem sei porque ou talvez saiba e não precise dizer. Só sentir. Lembro das nossas conversas infindáveis madrugada adentro. Filosofando sobre a vida, tentando enganar a morte, como ja disse ali, outro dia, noutra esquina. Na real, nunca soube se ele era ateu. Sempre que começavamos a falar do etéreo, descambava para as agruras bem materias que sofrera na época do seminário. Quando ficou mais adoentado, ja no finalzinho da jornada, pedia pra que a gente rezasse, que pedisse a Deus por ele. Isso me surprendia. Só aí tive a dimensão da fragilidade daquele momento. Hoje li que a morte é um mistério que desorganiza e comove. É isso. A pulsação de morte que persiste nesses dias tão desgraçadamente iguais desorganiza e comove. Hoje não há mais a expectativa pela melhora do jovem intubado. O artista. Brilhante. Se foi. Hoje a dor continua em milhares de anônimos. Uma luta desigual, desumana, negligenciada por quem deveria ser o cerne. Eu não,  eu ando fugindo do cerne. Uma Bud, um louvor, uma oração, uma canção, o ópio pelo ópio. A fuga. Eu, sempre terra, peço licença pra me ausentar durante uns parcos minutos que pretendia eternos. Quero me entorpecer, fingir que comigo vai tudo em paz. Palpitar no programa de tv, analisar o banal,  reverenciar o carnal. Desejar. Passo os olhos por algum livro ou texto  encostado  à espera do meu ócio criativo, e termino namorando a sapatilha ravena azul porcelana que penso em comprar há dias. Tenho saudade até de quem um dia eu nunca fui.



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