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Espera, mãe. Espera que chego já!

 O vento trouxe o cheiro do pó de arroz que a minha mãe usava quando eu era bem menor, já que pequena nunca fui, apesar de meu pai sempre me chamar de miúda. Eu lembrei que dias assim, de ceu azul e sol alto, traziam enorme angústia quando ela atravessava o portão e saia. Se abaixava pra me beijar e dizer que já voltava, e deixava comigo só o cheiro do pó de arroz.  Era com esse cheiro que eu a acompanhava entre as grades da janela  até ela sumir no final da rua. Nunca um cheiro representou tanto pra mim a sensação de perda  como o cheiro desse pó de arroz. Custava a me afastar da janela e volta e meia  conferia para ver se já havia um retorno de quem prometera jamais me abandonar. E sim, ela sempre voltava. O cheiro do pó de arroz voltava  primeiro e anunciava a felicidade que viria a seguir.  Agora era o cheiro da felicidade, do reencontro, nao mais da angústia. 

Só pra dizer que era preu estar de férias e visitando a minha mãe. O corona não deixou.  To aqui com a cara encostada na grade, com o cheirinho do pó de arroz dela, onde vez ou outra dou aquela conferida pra ver se já é possivel a felicidade do nosso reencontro e o fim desses dias angustiantes. Espera, mãe, espera que chego já.

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