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NÉVOA

 A humanidade aflita pede refúgio e refuta a poesia, o ludico, a arte. Preferem os aforismos, os coaches de auto ajuda. Tudo que já vem mastigado, processado. Nada a refletir, a acrescentar. A materialidade mata. Nada pode parecer utópico, surreal, subjetivo, causa estranheza, quando na verdade o que éramos pra estranhar é o que estamos nos tornando. Sei que filósofos de tempos remotos já expuseram bem melhor essa angústia de ver as transformações ruins e pouco poderem. Por isso faço nada. Faço tudo. Faço poesia, ouço, sereno, não sei se agradeço ou peço piedade. Não sei se realmente vivemos a involução ou se apenas estou ficando velha. Quiçá os dois.
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"Existirmos. A que será que se destina?"

      Por volta da uma da tarde, não importa o tempo: calor,  frio ou chuva, lá está ela. O rosto cheio de sulcos, cansado, entregam os anos. Uns setenta?  Se bem que pode ser mais nova do que eu. Na cabeça, um lenço colorido esconde todos os cabelos. Nas mãos, sempre um cigarro e uma latinha de cerveja. No corpo, sempre vestidos comportados, com mangas, e de comprimento que lhe tapa as canelas. Às vezes está acompanhada de um cachorro, um vira latinha caramelo, e não creio que seja alguém que esteja em situação de rua. Todos os dias lá está ela, sentada na última mesa de um bar de esquina, quieta, olhando quem passa, quem vem e quem vai. Paro no sinal e fico intrigada tentando adivinhar que caminhos ela trilhou, o que faz, se tem alguém, onde mora. Não me parece aflita e nem angustiada, nem feliz, apenas conformada, fazendo o seu ritual diário. Uma vida, um cigarro e uma cerveja. O sinal abre e eu sigo também  dando sequência a minha rotina. Será que ela percebe que eu a percebo?

Refúgio

 Semana Santa e eu me lembro da minha família, de uma infância feliz, passada no interior, com qualidade de vida, onde eu e meu irmão participávamos de todos os rituais da Igreja Católica, levados pela minha mãe. Não era um estorvo, a gente gostava, se divertia com comentários a parte, com observações sobre as coisas que iam acontecendo. Minha mãe ia sempre explicando tudo pra gente. Dizia que hoje, por exemplo, às 15h, era a hora em que Cristo morria. Ficávamos mais introspectivos, reflexivos, o céu fechava. Curioso como nessa hora o céu sempre dava sinais. Lembro das novenas também. Era legal a comunhão nas casas, e os lanches depois, claro. Não sei se acreditava ou acredito em todas essas coisas. Sei lá, talvez nem tanto esotérico assim, mas o que eu gosto é o conforto que essas lembranças me trazem. Uma sensação de abrigo, de afeto. Muito bom sentir essa sensação, ainda mais em tempos tão ríspidos.

Outono

 Apesar dos novos tempos onde as mudanças climáticas são uma dura realidade e bagunçam as estações, hoje, começo de outono e bate um ventinho mais fresco, embora o céu seja de um azul ofuscante. Aproveito alguns parcos minutos pra me deixar envolver por essa brisa marota e começo a refletir sobre o outono. Da minha vida. Das nossas. Estamos envelhecendo a olhos vistos, ainda que alguns façam questão de não enxergar, de negar. Não estamos preparados para sermos um país de idosos. Não mesmo. Para nós mulheres, então, as cobranças só pioram. O etarismo em voga. Ninguém sabe o que é, mas a maioria pratica. O velho, a velha, a velhice, incomodam. Parece que não há mais espaço para quem já passou dos 40, 50, 60. Tudo é plástico, plástica, estica, puxa, porcelana, maromba, flash. Falamos tanto em gerar conteúdo e andamos cada vez mais vazios, em manadas, robotizados, monossilabicos ou verborrágicos. Poucos querem ou conseguem ouvir, silenciar, respirar, sentir a brisa do outono que se aproxim

Vem 2023. Só vem!

      Eita, 2022, haaaaaja coração, como diz o pensador contemporâneo, Galvão Bueno. Que ano, meuzamigos. Que ano! Uma verdadeira montanha russa de emoções. Começando com uma nova onde de Covid. Vírus vai, vírus vem. Não vou mais na mãe. Vírus em casa. Mais leve dessa vez. Filho mais velho na Universidade. Corre com a documentação. Filho caçula no último ano do Fundamental, ainda tateando depois de tanto tempo trancado. Setembro entra. Vou na mãe. Alegria de revê-la. Doença de Parkinson. Apreensão. Esqueci da fortaleza que ela é. Pede bênção pro remedio à Nossa Senhora de Aparecida antes de começar o tratamento e, dois meses depois, tava ela batucando no vitória do Brasil contra a Croácia. Chega outubro. Lula leva no primeiro. Não levou. Sofre, espera, luta. A vitória vem linda,sim, no segundo turno. Explode coração na maior felicidade... Novembro comeca e vem a Copa fora de época, com cheiro de bolsonarismo. Não vou torcer, não vou torcer, vaaaaai, Richarlison, Richarlynson, Richa...g

Azia

Hoje bateu saudade do tempo em que ouvia as cigarras e não as cisternas. Ando intolerante com barulhos. Almejo a calmaria, o cerne, e as interferências insistem. Fico à margem. Recuo. Torno-me um avatar disposta a agir no automático. Cansei de querer ver beleza na vida e isso não é uma lamentação, mas sim, uma constatação. Lembro-me do tempo em que ia te encontrar. Azia. Era assim que eu ia. Será que vamos voltar a amar nesse país?

Claudia Jimenez

     Mais um sessão de quimioterapia e ela queria passar pelo corredor onde um sujeito tinha a perna engessada esticada atravancando a passagem. Esperou que ele se tocasse. Tentou passar ao largo. Não conseguiu. Voltou. Pediu licença e o sujeito carrancudo e mal humorado disse: "você não está vendo que eu estou com a perna engessada?" o que ela rebateu de pronto levantando a peruca: "e você não está vendo que eu estou com câncer?"       Essa história Claudia Gimenez, que nos deixa hoje, contou certa feita numa entrevista perdida aí em algum lugar do passado. Não sei porque vira e mexe ela me vem à tona. Talvez porque aprecie pessoas inteligentes e espirituosas mesmo diante das adversidades.  É isso. "De repente do riso fez-se o pranto."