A humanidade aflita pede refúgio e refuta a poesia, o ludico, a arte. Preferem os aforismos, os coaches de auto ajuda. Tudo que já vem mastigado, processado. Nada a refletir, a acrescentar. A materialidade mata. Nada pode parecer utópico, surreal, subjetivo, causa estranheza, quando na verdade o que éramos pra estranhar é o que estamos nos tornando. Sei que filósofos de tempos remotos já expuseram bem melhor essa angústia de ver as transformações ruins e pouco poderem. Por isso faço nada. Faço tudo. Faço poesia, ouço, sereno, não sei se agradeço ou peço piedade. Não sei se realmente vivemos a involução ou se apenas estou ficando velha. Quiçá os dois.
Por volta da uma da tarde, não importa o tempo: calor, frio ou chuva, lá está ela. O rosto cheio de sulcos, cansado, entregam os anos. Uns setenta? Se bem que pode ser mais nova do que eu. Na cabeça, um lenço colorido esconde todos os cabelos. Nas mãos, sempre um cigarro e uma latinha de cerveja. No corpo, sempre vestidos comportados, com mangas, e de comprimento que lhe tapa as canelas. Às vezes está acompanhada de um cachorro, um vira latinha caramelo, e não creio que seja alguém que esteja em situação de rua. Todos os dias lá está ela, sentada na última mesa de um bar de esquina, quieta, olhando quem passa, quem vem e quem vai. Paro no sinal e fico intrigada tentando adivinhar que caminhos ela trilhou, o que faz, se tem alguém, onde mora. Não me parece aflita e nem angustiada, nem feliz, apenas conformada, fazendo o seu ritual diário. Uma vida, um cigarro e uma cerveja. O sinal abre e eu sigo também dando sequência a minha rotina. Será que ela percebe que eu a percebo?