Por volta da uma da tarde, não importa o tempo: calor, frio ou chuva, lá está ela. O rosto cheio de sulcos, cansado, entregam os anos. Uns setenta? Se bem que pode ser mais nova do que eu. Na cabeça, um lenço colorido esconde todos os cabelos. Nas mãos, sempre um cigarro e uma latinha de cerveja. No corpo, sempre vestidos comportados, com mangas, e de comprimento que lhe tapa as canelas. Às vezes está acompanhada de um cachorro, um vira latinha caramelo, e não creio que seja alguém que esteja em situação de rua. Todos os dias lá está ela, sentada na última mesa de um bar de esquina, quieta, olhando quem passa, quem vem e quem vai. Paro no sinal e fico intrigada tentando adivinhar que caminhos ela trilhou, o que faz, se tem alguém, onde mora. Não me parece aflita e nem angustiada, nem feliz, apenas conformada, fazendo o seu ritual diário. Uma vida, um cigarro e uma cerveja. O sinal abre e eu sigo também dando sequência a minha rotina. Será que ela percebe que eu a percebo?
Semana Santa e eu me lembro da minha família, de uma infância feliz, passada no interior, com qualidade de vida, onde eu e meu irmão participávamos de todos os rituais da Igreja Católica, levados pela minha mãe. Não era um estorvo, a gente gostava, se divertia com comentários a parte, com observações sobre as coisas que iam acontecendo. Minha mãe ia sempre explicando tudo pra gente. Dizia que hoje, por exemplo, às 15h, era a hora em que Cristo morria. Ficávamos mais introspectivos, reflexivos, o céu fechava. Curioso como nessa hora o céu sempre dava sinais. Lembro das novenas também. Era legal a comunhão nas casas, e os lanches depois, claro. Não sei se acreditava ou acredito em todas essas coisas. Sei lá, talvez nem tanto esotérico assim, mas o que eu gosto é o conforto que essas lembranças me trazem. Uma sensação de abrigo, de afeto. Muito bom sentir essa sensação, ainda mais em tempos tão ríspidos.